O que a indústria criativa pode aprender com quem trabalha com miniaturas?

It’s Nice That

Conversamos com os fabricantes de miniaturas, de prédios em miniatura, a comidinhas e cômodos em escala reduzida, para descobrir o que os motiva e as grandes lições que podemos tirar de uma produção artística tão pequenininha.

A miniatura sempre foi uma arte encantadora e persistente no mundo criativo; pense em casas de bonecas, trenzinhos, minimundos etc. É um trabalho com uma história longa e detalhada; mas, embora muito admirada, a arte em miniatura pode ser reduzida ao campo apenas pitoresco ou fofo.

Durante o verão aqui no It’s Nice That, observamos uma espécie de “ressurgimento” das miniaturas. Nosso explorar do Instagram foi inundado com mais e mais páginas de miniaturas e, além disso, o amado Guardian Experience, apresentou Nora Chavez, uma fabricante de miniaturas de aparelhos de cinema e TV.

Sabemos por que nós, e muitos outros, adoramos miniaturas; elas são cativantes, demonstram grande detalhamento e muitas vezes são relacionadas com um sentimento nostálgico. Mas por que as pessoas adoram fazê-las? E qual a dedicação necessária para um nicho tão específico? Para responder a essas perguntas, conversamos com alguns de nossos criadores de miniaturas favoritos, procurando descobrir o que os levou a dedicar tantas horas de suas vidas à criação de todas essas coisinhas e o que os profissionais criativos podem aprender com um trabalho tão meticuloso.

Para muitos que estão terminando a universidade, a última coisa que você escolhe para relaxar é um passatempo diretamente relacionado à sua graduação. Os graduados em literatura muitas vezes não conseguem pegar um livro e os estudantes de design gráfico podem se sentir cansados só de ver o Photoshop. Porém, este não foi o caso do fabricante de miniaturas Charles Young. 

Foi depois de terminar o mestrado em Arquitetura na Universidade de Edimburgo em 2014 que Charles se viu à procura de um projeto que lhe permitisse fazer algo todos os dias. Ele logo percebeu que os pequenos modelos e estruturas que haviam sido parte de sua formação arquitetônica – muitas vezes feitos em papel, material maleável e “rápido” – seriam a coisa perfeita para se testar. Logo, o projeto de Charles ganhou um nome, Paperholm, e ele começou a criar uma cidade inteira com estruturas de papel. Após três anos, ele havia feito mais de 1.000 prédios de papel e, em 2017, o projeto teve uma conclusão natural. Mas, não querendo protelar, Charles decidiu que era hora de adicionar uma nova camada: a cor. 

“Acho que nunca houve um momento em que abandonei um desses trabalhos e comecei de novo, porque não importa se não é o melhor projeto que já fiz, o objetivo não é esse.” Charles Young 

Durante a pandemia, Charles encontrou no livro do pintor japonês Wada Sanzo, Dictionary of Color Combinations (c.1930), uma incursão aprofundada nas paletas de cores mais famosas do mercado. Inicialmente, Charles não tinha intenção de usá-lo em um projeto, mas com uma lista tão grande de combinações possíveis em mãos, Charles poderia entrar em cada edifício com tanto vigor quanto antes. E não é só a cor que tem desenvolvido o trabalho de Charles, mas também a complexidade e diversidade das peças. Um favorito recente de Charles é a miniescavadeira, com um braço de articulação tripla: “As partes móveis nas articulações têm apenas alguns milímetros de diâmetro, por isso foi um trabalho delicado de fazer”, ele explica. 

Charles Young: Three-colour Studies (Copyright © Charles Young, 2021-2022) 

Embora o projeto em papel de Charles possa ter sido inspirado por sua graduação, é a liberdade de fazer as coisas sob sua própria vontade que realmente o manteve ativo. “Acho que o trabalho que você está fazendo para si mesmo pode ser mais livre e desinibido”, detalha. Além do mais, a liberdade de criação independente também permitiu que ele persistisse em coisas que podem não estar indo “perfeitamente”. “Às vezes, uma dessas peças não é tão bem-sucedida quanto você esperava. Ainda os compartilho, pois é bom mostrar que nem todo o seu trabalho pode ser perfeito o tempo todo ”, diz Charles. “Acho que nunca houve um momento em que abandonei um desses trabalhos e comecei de novo, porque não importa se não é a melhor coisa que já fiz, não é para isso.” 

Charles Young: Four-colour Studies (Copyright © Charles Young, 2020-2021) 

Por outro lado, Mahnaz Miryani usa uma técnica um tanto diferente em suas miniaturas. Criando uma variedade minialimentos, as pequenas obras de Mahnaz são um banquete completo; dizer que suas comidinhas nos dão vontade comer pode ser um clichê, mas não significa que não seja verdade. Tomates maduros sobre uma tábua de cortar, um saco cheio de batatas chips pronto para ser devorado e vários ingredientes prontos para fazer uma torta de maçã. Vendo a atenção aos detalhes em todo o trabalho de Mahnaz, é uma surpresa ouvir que seu projeto em miniatura é feito simplesmente como um “hobby”. Além do mais, é um hobby que coexiste com uma agenda muito ocupada. No dia a dia, Mahnaz trabalha como engenheira metalúrgica enquanto estuda psicologia em sua cidade natal, Teerã. 

Como sugere a profissão, Mahnaz conta que sempre foi obcecada por trabalhos e projetos “cheios de detalhes”. Foi apenas em 2018, porém, que Mahnaz tropeçou no mundo das miniaturas no Instagram, apaixonando-se instantaneamente pelas peças de comida hiper realistas. No mesmo dia, ela foi até a loja de materiais de arte, comprou todos os materiais que precisava e começou a produzir na hora. 

Mahnaz Miryani/CuteMoon: Miniature Chips & Sauce (Copyright © Mahnaz Miryani/CuteMoon, November 16, 2020) 

Mahnaz Miryani/CuteMoon: Miniature Bell Pepper Board (Copyright © Mahnaz Miryani/CuteMoon, 2021) 

Para Mahnaz, a parte do processo que exige mais dedicação é o sombreamento. Com a intenção de fazer com que suas peças pareçam o mais realistas possível, ela costuma passar horas com pastéis em todos os tons de marrom, fazendo com que um bolo pareça recém-saído do forno. E, claro, como é de se esperar, fazer esses trabalhos “gourmet” vem naturalmente junto com o amor pela comida. Até hoje, uma das obras favoritas de Mahnaz é sua tábua de frango frito. “Eu amo essa comida na vida real”, ela ri. 

Mahnaz ganhou não apenas um hobby que a mantém ocupada por horas, mas também toda uma comunidade. Tendo acumulado muitos seguidores em seu Instagram sob o apelido de Cute Moon (a tradução em inglês de seu nome), Mahnaz usa sua enorme bagagem de aprendizado para interagir com miniaturistas de todo o mundo por meio do aplicativo. A comunidade também está cheia do que Mahnaz descreve como “energia positiva”. “A energia e o amor que gasto durante o processo de criação das miniaturas sempre voltam para mim.” 

Mahnaz Miryani/CuteMoon: Fried Chicken (Copyright © Mahnaz Miryani/CuteMoon, 2022) 

Mahnaz Miryani/CuteMoon: Miniature Apple Pie Preparation Scene (Copyright © Mahnaz Miryani/CuteMoon, August 14, 2021) 

Mahnaz Miryani/CuteMoon: Miniature Tomato Board (Copyright © Mahnaz Miryani/CuteMoon, April 9, 2022) 

Enquanto isso, Laura Woodroffe é alguém que ama arte em miniatura em todas as suas muitas facetas – uma delas suas origens muito antigas. “Colocar significado em objetos minúsculos é uma coisa muito humana”, ela começa, “é algo que fazemos há milhares de anos na forma de amuletos ou bugigangas”. Laura também vê isso como algo “nostálgico” e um pouco “ridículo” às vezes; dois fatos que se juntam para torná-lo uma forma de arte incrivelmente acessível também. 

Diretora de arte e moradora no sudeste de Londres, nos últimos nove anos Laura projetou cenários para eventos ao vivo de grande escala. Apesar da magnitude de alguns de seus projetos, no entanto, sua parte favorita do processo sempre foi a modelagem. “A perfeccionista organizada em mim adora o trabalho de pegar um desenho e replicá-lo com precisão em 3D, mas são as texturas e acabamentos detalhados pintados à mão que satisfazem meu lado artístico”, diz ela. Foi esse fato – juntamente com sua obsessão por famílias Sylvanianas, casas de fadas e modelos de sua casa dos sonhos – que a obrigou a começar a fazer e vender miniaturas profissionalmente em 2019. 

Laura Makes Miniatures: Green and Son’s Quality Grocers (Copyright © Laura Woodroffe 2020) 

“Embora haja uma tendência para a arte em miniatura ser considerada apenas como “bonitinha” – ou pelo menos cair sob o guarda-chuva do artesanato e não da arte – ela tem uma história extremamente rica por trás disso.”  Laura Woodroffe 

Em grande parte, as miniaturas de Laura são encomendas por pessoas físicas, geralmente na forma de réplicas dos espaços cotidianos das pessoas. Laura cria um “retrato” de uma pessoa através dos objetos e bugigangas que as cercam todos os dias. “Ter alguém descrevendo para você todas as coisas que fazem é realmente especial e é interessante ver os detalhes que elas enfatizam. Muitas vezes não são suas carreiras ou bens materiais caros, mas seus apelidos, hábitos alimentares, suéter favorito ou piadas familiares”, detalha Laura. “São então esses minúsculos objetos mundanos que assumem um significado real para a pessoa.” Suas cenas variam de quartos de adolescentes, camarins nos bastidores e interiores de lojas de esquina dos anos 1970, todos realizados com tantos detalhes que um ângulo de câmera poderia fazer você acreditar que são os quartos em escala real. 

Laura Makes Miniatures: Sam’s Past and Present (Copyright © Laura Woodroffe 2021) 

Ao construir relacionamentos tão próximos e ver o efeito que a arte em miniatura pode ter sobre os indivíduos, Laura percebeu o quão pertinente pode ser o nicho escolhido. “Embora haja uma tendência para a arte em miniatura ser considerada apenas como “bonitinha” – ou pelo menos cair sob o guarda-chuva do artesanato e não da arte – ela tem uma história extremamente rica por trás disso.”, reflete Laura. “É tão bom ver artistas contemporâneos que trabalham com miniatura participando de um movimento de ressurgimento.” 

Laura Makes Miniatures: Iso’s Fridge (Copyright © Laura Woodroffe 2021) 

Laura Makes Miniatures: Green and Son’s Quality Grocers (Copyright © Laura Woodroffe 2020) 

Laura Makes Miniatures: Dinner for Seven (Copyright © Laura Woodroffe 2020) 

Já a artista Kath Holden, ao invés de pensar no que ela faz em miniatura, talvez seja mais fácil pensar no que ela não fez. Além da sua loja Delph Miniatures, em Bradford, encontramos pela primeira vez o trabalho de Kath e sua mãe, Margaret, há cerca de quatro anos no curta-metragem dirigido por Ellen Evans, “Life in Miniature”. Tendo feito miniproduções profissionalmente por mais de 30 anos, Kath participou de uma série de shows em miniatura em todo o Reino Unido. Dedicação é algo que aparentemente vem naturalmente para Kath. Nesse sentido, seria mais correto descrever a Delph Miniatures como um estilo de vida, ao invés de uma profissão. 

O interesse de Kath por miniaturas começou após dois encontros em sua infância. A primeira foi durante um passeio em família a um show de miniaturas em North Yorkshire, e a segunda foi no momento em que ela pousou os olhos em uma loja de casas de bonecas. Instantaneamente, ela ficou “paralisada”. Vendendo alguns de seus pertences para comprar a casa de £75, Kath logo percebeu que queria fazer as próprias miniaturas, e ela e sua mãe começaram a fazer bonecas, frutas e móveis. Passando de um hobby para algo em que Kath e sua mãe passavam horas, elas logo começaram a vender as peças em feiras. Eventualmente – apesar de ser uma “estudante nota 10” – Kath decidiu ouvir seus instintos, largou a universidade e se jogou totalmente no trabalho com miniaturas. 

Delph Miniatures: Bakery Oven (Copyright © Delph Miniatures 2022) 

Delph Miniatures: FC1 & 2 Yellow (Copyright © Delph Miniatures 2022) 

“Sempre tentamos acompanhar as inovações tecnológicas – as pessoas estão sempre pedindo o que tem de mais novo.” Kath Holden 

Os clientes da Delph Miniatures agora estão por toda parte, com encomendas de revistas de renome e trabalhos apresentados no filme de James Bond de 2006, Casino Royale. Mas para Kath, a parte mais emocionante de sua carreira continua sendo o ato manual de fazer miniaturas. Referindo-se a alguns projetos favoritos recentes, ela destaca um forno de padeiro iluminado – feito ao lado de seu filho – um projetor e um aparelho de academia. Este último sendo tão impressionante que foi comprado por um juiz de competição. 

Ao definir uma ampla missão na Delph Miniatures e se dedicar a sempre “inovar”, Kath e sua mãe fazem de tudo, qualquer coisa que um cliente possa pedir. “Sempre tentamos acompanhar as inovações tecnológicas.”, detalha Kath, “as pessoas estão sempre pedindo o que tem de mais novo”. Isso significa evitar as tradicionais casas de bonecas e trabalhos ornamentados e, em vez disso, explorar novos territórios. Juntos, eles viram a TV passar de “grandes blocos pretos” para telas planas e caixas registradoras pesadas para iPads. É esse “desafio” de se manter atento e responder à imprevisibilidade da tecnologia que mantém Kath sempre se renovando. De fato, nenhum dia é igual ao outro. 

Delph Miniatures: Working Projector (Copyright © Delph Miniatures 2022) 

Delph Miniatures: Gym (Copyright © Delph Miniatures 2022) 

Kath diz que aprendeu muitas lições nesse período como criadora de miniaturas, principalmente a importância da “autoconfiança”. No início de sua jornada criativa, muitos pensaram que era impossível ganhar a vida com a criação de miniaturas, mas uma forte convicção a levou até o fim. “Se eu não acreditasse em mim mesma e não tivesse uma família que acreditasse em mim, eu não estaria onde estou hoje.” Agora, Kath está no comando de uma das linhas de produção de miniaturas mais prolíficas do Reino Unido há mais de três décadas, e a Delph Miniatures não mostra indícios de encerrar suas atividades tão cedo. 

Portanto, embora a arte em pequena escala seja frequentemente atribuída ao lugar artístico de fofinha e, no geral, um pouco antiquada, nossas conversas com vários criadores provam que o campo das miniaturas tem muito mais a oferecer. Seja um projeto que instigue uma visão criativa totalmente nova, um meio de estreitar relacionamentos com as pessoas ou uma carreira de sucesso ao longo da vida, parece que a indústria criativa em geral pode aprender muito com os dos fabricantes de miniaturas. Quem sabe, talvez seja hora de focar nas pequenas coisas da vida. 

Texto: Olivia Hingley  

Olivia (ela/ela) juntou-se à equipe It’s Nice That como assistente editorial em novembro de 2021 e logo se tornou redatora da equipe. Formada pela Universidade de Edimburgo em literatura e história inglesa, seus maiores interesses são fotografia, publicações e design de tipos.   

Imagem de capa: Charles Young: Assembly (Copyright © Charles Young, 2019)   

Para mais informações

www.instagram.com/paperholm 

www.instagram.com/cutemoon.miniatures 

www.instagram.com/laura_makes_miniatures 

www.delphminiatures.com 

www.instagram.com/delphminiatures   

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