Sobre processos criativos e inspirações, o artista Gabriel Furmiga reflete: “Tudo nasce da troca entre corpo, material e espaço.”

Por: Geórgia Ayrosa

As pinturas e desenhos de Furmiga transbordam movimento e ação. É possível observar gestos, expressões, diferentes cores e dinâmicas, como se tudo fosse uma coreografia sob tela. E é ali, nessa superfície, onde se dá o encontro do corpo do artista e suas narrativas com as texturas e formas criadas com tinta acrílica, giz pastel oleoso e lápis. “Atualmente enxergo meus trabalhos como uma coreografia de movimentos de falha.”

Assim, o artista recifense, recém mudado para São Paulo, conta como começou a desenhar na infância, com quais materiais mais gosta de trabalhar e quais são seus maiores sonhos atualmente.

Confira abaixo a entrevista completa:

Muitos artistas dizem que gostam de desenhar desde criança, você era assim?

Com certeza! O desenho sempre esteve presente em todas as fases da minha vida. Lembro que muito novo já dizia a minha mãe que minha profissão dos sonhos era ilustrar capa de livros (acabei me tornando designer e artista visual). Agrupava os brinquedos ao meu redor em casa e passava horas lendo e desenhando com eles de platéia hahaha Quando cresci, comecei a colecionar cadernos. Eles se tornaram uma espécie de diário, onde tudo que não me sentia confortável pra escrever, virava desenho. Acho que é assim até agora rs.

De onde vem suas maiores inspirações? 

Tudo nasce da troca entre corpo, material e espaço. Dessa relação, me sensibilizo a partir dos deslocamentos que tenho feito (recentemente me mudei do Recife para São Paulo), do encontro com amigos que também produzem arte- como Amorí, Marcela Dias, Almeida e Laís Amaral; de outros grandes mestres como Sam Gilliam e Fayga Ostrower. Além disso, gosto sempre de estar em contato com o mar, sinto que muitas das minhas criações vem da relação de cura e nutrição que tenho com ele.  

Com quais materiais você mais gosta de trabalhar? Por que? 

Gosto de diversificar bastante meus materiais. Atualmente, tenho centralizado minha produção principalmente na pintura em tinta acrílica, mas sempre passo por um processo anterior onde estou sempre com um caderno, giz pastel oleoso e lápis. Além desses, meu trabalho também passa por algumas técnicas de gravura, como a serigrafia, risografia e a cianotipia. Além disso, tenho desenvolvido uma pesquisa com desenho e papel carbono, onde desenvolvi com o coletivo Propágulo o projeto Contraluz . Gosto de entender o que cada material acrescenta ao meu trabalho, sair da posição de dominador da técnica e encarar a falha enquanto parte do processo de interação com o externo.  

Como você descreveria a estética do seu trabalho? 

Atualmente enxergo meus trabalhos como uma coreografia de movimentos de falha. Desses movimentos, nasce uma cartografia formada de texturas, cores e movimentos, uma espécie de improviso construído num limbo entre sonho e realidade. É nesse não-lugar que me sinto confortável para formular minha identidade, ancestralidade e imaginação. 

O que você mais gosta de fazer quando não está trabalhando? 

Diria que viajar, pedalar, ir à praia e dormir hahaha Geralmente busco estar próximo ao mar, às minhas amigas e família. Também tenho muitas memórias afetivas ligadas à bicicleta. Minhas favoritas ainda são em Recife, onde costumava ir ao cinema pedalando, ou cruzar a Rua da Aurora à noite, sentindo a brisa do rio. 

Quando você faz uma encomenda ou vende um quadro, como é o processo de se desapegar de um trabalho seu? 

Existem trabalhos e trabalhos hahaha Alguns sinto que pintei pra mim, passam meses na minha casa e já fazem parte da paisagem. Esses são sempre mais difíceis de desapegar. Mas em geral, gosto de ouvir as histórias das pessoas, sinto que camadas de subjetividade e memória são adicionadas. 

Na sua visão, qual o papel do artista hoje em dia? 

Acredito que o papel do artista, atualmente, seja criar narrativas contra hegemônicas. Para isso, é fundamental refletir acerca de uma temporalidade que se curva para frente e para trás, ao redor e para cima, como diz Leda Maria Martins é um desafio bem bonito de ser vivido. Resgatar os símbolos que nos foram tomados, inventar novos nomes e formas pras coisas, encontrar beleza no mistério e desenvolver alternativas que nos encham de vida dentro desse mundo capitalista, sinto que tudo isso faz parte do meu ofício. 

Qual o seu maior sonho(s)? 

Ah, são muitos! Sou muito sonhador. O maior deles é me manter vivo, feliz e em movimento. Pensando de forma material, acredito que ainda sigo tentando me manter financeiramente apenas com meu trabalho artístico, espero num futuro ter dinheiro suficiente para construir um espaço físico de formação e experimentação para outros jovens dissidentes como eu.